segunda-feira, 15 de abril de 2013

“FRATERNIDADE”

Baseado no livro “Fraternidade” de Abbé Pierre, o qual, embora já escrito há algumas décadas, nos parece bastante actual, ou melhor, demonstra que o autor conseguiu no passado percepcionar o que seria o presente que é a realidade dos dias de hoje.
 
Abbé Pierre, pseudónimo de Henri Grouès, nasceu a 5 de Agosto de 1912, tornando-se numa referência da fé e da filantropia durante o século XX. Educado num colégio de jesuítas e na Universidade de Lyon, entrou para a Ordem dos Capuchinhos em 1930, de onde saiu em 1938, por razões de saúde. Ainda em 1938, é ordenado sacerdote, tornando-se vigário da Catedral de Grenoble em 1941. Participa na Resistência durante a guerra. Através do Centre d’Emmaüs, desenvolve inúmeras actividades de apoio aos deserdados e sem abrigo. Entre as suas muitas distinções, incluem-se a Legião de Honra e a Cruz de Guerra. Tendo uma vasta publicação de obras de reflexão religiosa e ética.
 
“Fraternidade” é um livro que toca nos problemas da sociedade contemporânea, tendo como base as três palavras divisas da República Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Para o autor desta obra, a fraternidade implica o empenhamento livre dos indivíduos com vista a uma verdadeira equidade social.
 
Segundo Abbé Pierre, “Poderemos permanecer indiferentes perante o empobrecimento de camadas inteiras da população? Poderemos deixar que centenas de milhares de jovens, sem trabalho nem futuro, se encerrem no desespero? Poderemos permitir que o ódio, o racismo, o medo do outro cresçam cada vez mais? Numa altura em que a Terra se transforma numa aldeia, estamos condenados a novas partilhas. Partilhas do trabalho, mas também das riquezas. Precisamos, finalmente, de aprender a viver juntos com as nossas diferenças e a lutarmos com todas as nossas forças, individual e colectivamente, para que cada um possa viver dignamente. Não vou dizer como Malroux que o século XXI será religioso, ou não será. Mas direi, com toda a certeza, que o século XXI será fraterno, ou não será.”
 
Neste livro vemos abordados temas como o problema do desemprego que tanto assola a sociedade actual, a falta de segurança social em alguns países, o não pagamento de férias ou abonos de família e os salários muito baixos e como devido à globalização todos os países ocidentais se estão a ver afectados por estas economias.
 
A globalização e o liberalismo selvagem estão a produzir efeitos como a exclusão, uma sociedade que se cinde em duas, onde os pobres estão cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos. O drama do desemprego estrutural em massa e a perca da dignidade que o acompanha bem como o novo drama da ociosidade e a dramática subida da violência que a acompanha, os quais representam rupturas à escala mundial, apenas poderão ser combatidas com o trabalho dos sindicatos (mas verdadeiro trabalho, não aquele que se nos vai sendo apresentado, o qual aparece mais como uma oposição politica do que como uma verdadeira defesa dos direitos dos trabalhadores, isto foi apenas um aparte nosso, pelo que vamos vendo hoje em dia a ser feito pelos actuais sindicatos), com a concretização do direito à greve (desde que concretizado de uma forma consciente e consciencializado, o que nos últimos tempos não temos visto acontecer, uma vez que na nossa opinião, muitas vezes temos visto o direito à greve ser usado mais como um abuso do direito do que um direito em si mesmo, pois por tudo e por qualquer coisa é uma greve, bom isto foi mais um aparte nosso), ou seja, com a verdadeira reivindicação dos direitos que todos os trabalhadores têm. E agora com a sociedade cada vez mais globalizada, onde os meios de comunicação levam as notícias a todos os cantos do mundo, deveremos todos trabalhar para que estas informações cheguem a todos os países, e esses países de economias bem mais baixas e trabalho altamente precário, comecem também eles a reivindicar os seus direitos, fazendo com que uma aplicação generalizada dos direitos dos trabalhadores, com condições de trabalho dignas, com direito a segurança social, pagamentos de subsídios de férias, salários justos, possam desta forma uniformizar a economia mundial, deixando de haver precariedade laboral e passando a existir justiça para o trabalhador. Não podemos tolerar que quatro quintos da humanidade lute para sobreviver, enquanto um quinto vive no conforto e na abundância, nem podemos tolerar que crianças sejam exploradas como escravas, desde a mais tenra idade, para nos fabricarem a baixo custo objectos tantas vezes fúteis. Aqui está o trabalho dos sindicatos que se encontram previstos como um direito que assiste aos trabalhadores, tão bem consagrado nos artigos 440.º e seguintes do nosso Código do Trabalho, (mas o qual deve ser realizado com total rigor e máxima dignidade e responsabilidade).
 
Na opinião do autor, hoje mais do que nunca a fraternidade deve ser entendida para além da família, do clã ou da nação. A fraternidade humana é universal. No momento em que, pela primeira vez na história da humanidade, a Terra se torna uma aldeia, nós somos condenados, destinados a novas partilhas. Precisamos de aprender a viver juntos, fraternalmente, qualquer que seja a cor da nossa pele, qualquer que seja a nossa religião, tal como vem consagrado no artigo 13.º da nossa Constituição como o Princípio da Igualdade. E esta escolha envolve cada um de nós. Quando escreve sobre a necessidade de partilhar com os países pobres, Abbé Pierre, tem bem consciência de que a França, tal como a maioria dos países ricos, atravessa uma terrível crise social devido à persistência de um desemprego estrutural de longa duração, sendo que isto se passa num plano de globalização e não apenas num contexto de simples reequilíbrio no plano nacional que permitiria resolver o problema.
 
Segundo o autor, os políticos enganam os cidadãos deixando fazer-lhes crer que o desemprego poderá diminuir com o regresso do crescimento. O desemprego tal como se desenvolve actualmente, é o fruto do processo irresistível de globalização, e as soluções, se existirem, não poderão deixar de ser, também elas, planetárias. Pois não podemos esquecer que o mundo ocidental conseguiu prosperar e aumentar as suas riquezas e tudo o que faz o prazer da vida, pois foram os grandes beneficiários do período colonial, matérias-primas baratas, importação para os nossos países de mão-de-obra imigrada para construir ao menor custo estradas, escolas, hospitais, etc. E hoje, vemo-nos flagelados pelo desemprego, pois encontramo-nos submetidos à concorrência internacional e o custo da nossa mão-de-obra é muito elevado. Sendo que vemos muitas das nossas fábricas, as mais importante, a fechar e a deslocarem-se para reabrir outra na Coreia ou na China, fabricando e, portanto, vendendo os seus produtos muito mais baratos, fazendo com que por cá fiquem centenas se não milhares de desempregados. Mas o autor acredita que isto apenas acontecerá a curto prazo, uma vez que apenas é possível fabricar lá fora por muito baixo custo, pois nesses países, não existe segurança social, férias pagas, abonos de família, praticamente nenhum encargo e salários muito baixos. Mas isso não durará eternamente, pois em pouco tempo, também lá se farão greves, se reclamarão férias pagas, se exigirá segurança social, uma reforma, um nível de vida comparável ao dos países ocidentais. Pois na perspectiva do autor, também nesses países pobres e discriminados, se irá compreender a importância do direito colectivo, da existência e intervenção dos sindicatos para que os trabalhadores se sintam organizados e com verdadeira intervenção na elaboração das leis laborais, com força para que possam reivindicar os direitos laborais com a compreensão da verdadeira importância que estes têm para a sociedade em particular para os trabalhadores e consequentemente para as suas famílias.
 
Tudo isto irá acontecer devido à globalização da informação, o que também irá favorecer a longo prazo uma espécie de homogeneização dos modos de vida, dos rendimentos, da protecção social. Sendo que este processo já se terá iniciado. O direito à greve, o qual se encontra previsto nos nossos artigos 530.º do Código do Trabalho e 57.º da Constituição da República Portuguesa, já, há alguns anos que estão a aparecer no Japão, onde até então o sistema patriarcal fazia com que um jovem empregado numa fabrica japonesa tivesse a segurança do seu emprego até à idade da reforma. Ele era, para sempre, membro desta fábrica como se é membro de uma família e isto não é mais verdade e por isto os japoneses recorrem hoje á greve para reclamarem mais justiça social. A greve que desempenhou um papel tão importante para a dignidade operária do Ocidente, hoje começa a desempenhar esse mesmo papel no Oriente, estando os especialistas convictos de que o mesmo acontecerá noutros países da Ásia assim que tiverem atingido um certo nível de desenvolvimento e que a sua juventude souber como vai o mundo. Significa isto que os custos do trabalho aumentarão por todo o lado de maneira mais ou menos homogénea pelo planeta ao mesmo tempo que o nível de vida, permitindo desta forma eliminar esta concorrência perniciosa entre países com rendimentos desiguais e legislações sociais díspares. Todavia é ainda necessário entender que este aumento de riquezas não poderá ser infinito. Sendo as riquezas limitadas e a população mundial não deixando de crescer, virá o dia em que será preciso não só redistribuir as riquezas como também aceitar uma diminuição global do trabalho e dos rendimentos que o acompanham e, em primeiro lugar, onde esses rendimentos são mais elevados. É para esta verdadeira revolução planetária que nós nos devemos preparar em vez de continuarmos a tapar tudo com um véu, fazendo crer que o tempo em que todos terão emprego irá voltar e juntamente com ele melhores salários. Pois tanto o trabalho como os rendimentos estão destinados a diminuir.
 
Desta forma ver-nos-emos constrangidos por duas realidades: - partilhar o trabalho, ou seja, trabalhar menos e termos mais tempo para outras ocupações; - ganhar menos dinheiro e, portanto, aprendermos a consumir menos. Jacques Ellul, um visionário, havia já anunciado que a França seria um dia obrigada pelas pressões da partilha global das riquezas do planeta a voltar ao seu nível de consumo dos anos 50. Ainda não nos encontramos exactamente nesta situação, mas é necessário informar a opinião pública sobre esta questão, o que nenhum político ousará arriscar-se fazer, tão profundas são as necessárias reposições. Desta forma vemo-nos pela primeira vez a ter que conceber que os filhos trabalharão menos e consequentemente ganharão menos dinheiro do que os seus pais.
 
Necessário será também descobrir ou redescobrir, que o dinheiro, o sucesso social, o trabalho lucrativo, não são o essencial da vida, pois existem outros valores, outras maneiras de viver e de utilizar o seu tempo e sendo igualmente útil e reconhecido socialmente. Será preciso desenvolver as actividades humanizantes não lucrativas, que poderão fornecer os objectivos e as razões de viver. Ora há uns anos atrás quem verbalizasse estas ideias iria todavia passar por inimigo do mundo operário ao evocar a eventualidade duma partilha da redução do tempo de trabalho, ora hoje, são os próprios sindicatos que pedem para se encontrarem com o patronato e o Estado para acharem, em concertação, as soluções menos desumanas para partilhar o trabalho.
 
Acima de tudo, irá ser bem preciso aceitar a ideia, ainda tabu, de que não só o trabalho como também os rendimentos que terão de ser partilhados. Mas, de facto, nenhum governo tem a coragem de dizer ás pessoas: “Se vocês estiverem fartos de ver à vossa volta cada vez mais jovens sem emprego, de constatarem que numa mesma família, em quatro filhos, dois, ou mais, estão desempregados, há que aceitar partilhar o trabalho e isso não pode fazer-se sem diminuição dos rendimentos”.
 
É toda uma educação da opinião pública que tem de ser feita, mas em vez disso, continuam a fazer-nos crer que o crescimento vai voltar, como nos maravilhosos anos da abundância e do pleno emprego, ou ainda pior, fazerem-nos crer que pode partilhar-se o trabalho e a actividade sem ter que se partilhar as riquezas e os rendimentos. Todavia nas sociedades mais conservadoras e corporativistas será mais difícil fazer aceitar estas realidades, pois recusam perder os pequenos privilégios de uns e de outros, mesmo que eles estejam em total contradição com a evolução do mundo e das necessidades do bem comum, pois cada um luta egoisticamente para conservar as suas aquisições e os seus privilégios sem grande preocupação com o bem geral, enquanto se lamenta do drama do desemprego, da exclusão, da insegurança suburbana, etc.
 
Há, pois, muito a ser feito para favorecer esta tomada de consciência, e se essas responsabilidades não forem assumidas por uma questão de virtude moral, pelo menos que seja por prudência, pois se nós não aceitarmos uma justa repartição do tempo livre humanizante e do trabalho produtivo, tudo isto irá terminar em violência. Pois se os excluídos da sociedade, aqueles que já há muitos anos compreenderam que estão a mais, os que não têm condições para viver dignamente, os que são vitimas do desemprego, os que vivem na precariedade, se nós não nos adiantarmos a eles, se não tomarmos a iniciativa de novas partilhas do trabalho e dos rendimentos, serão aqueles que estão exaustos, que perderam toda a esperança, que virão tomar, pela violência, o que nós não quisemos partilhar. E isto é tão verdade num plano nacional como mundial, pois decididamente nós estamos a ver-nos constrangidos a novas partilhas.
 
E embora tenha ficado claro que não estamos de acordo com algumas posições que o autor adopta, por outro lado parece-nos muito claro que o autor teve uma total visão futurista, a qual se aplica bem ao nosso presente no que toca à precariedade e efeitos da globalização da economia mundial e ainda tendemos em concordar que talvez a solução possa passar pela aplicação de algumas medidas enunciadas pelo autor, como por exemplo, os países ditos desenvolvidos não podem continuar a fechar os olhos à tão grave violação dos direitos fundamentais do Homem e das Crianças que se vai vendo acontecer constantemente em diversos países por esse mundo a fora e isso sim, essa precariedade tem que ser combatida com toda a força e talvez assim consigamos obter economias mais equilibradas.
 
 
R.A.O.

2 comentários:

  1. Não conheço o livro nem o escritor, mas fiquei com vontade de o ler. E o enquadramento que vocês fazem aqui à actual situação do país e do mundo está fantástico. Quer-me parecer que muitos politicos deveriam vir aqui ler isto que vocês escreveram.

    ResponderEliminar
  2. Simplesmente extraordinário...

    ResponderEliminar