Baseado no livro “Fraternidade”
de Abbé Pierre, o qual, embora já escrito há algumas décadas, nos parece
bastante actual, ou melhor, demonstra que o autor conseguiu no passado
percepcionar o que seria o presente que é a realidade dos dias de hoje.
Abbé Pierre, pseudónimo de Henri
Grouès, nasceu a 5 de Agosto de 1912, tornando-se numa referência da fé e da
filantropia durante o século XX. Educado num colégio de jesuítas e na
Universidade de Lyon, entrou para a Ordem dos Capuchinhos em 1930, de onde saiu
em 1938, por razões de saúde. Ainda em 1938, é ordenado sacerdote, tornando-se
vigário da Catedral de Grenoble em 1941. Participa na Resistência durante a
guerra. Através do Centre d’Emmaüs, desenvolve inúmeras actividades de apoio
aos deserdados e sem abrigo. Entre as suas muitas distinções, incluem-se a
Legião de Honra e a Cruz de Guerra. Tendo uma vasta publicação de obras de
reflexão religiosa e ética.
“Fraternidade” é um livro que
toca nos problemas da sociedade contemporânea, tendo como base as três palavras
divisas da República Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Para o
autor desta obra, a fraternidade implica o empenhamento livre dos indivíduos
com vista a uma verdadeira equidade social.
Segundo Abbé Pierre, “Poderemos
permanecer indiferentes perante o empobrecimento de camadas inteiras da
população? Poderemos deixar que centenas de milhares de jovens, sem trabalho
nem futuro, se encerrem no desespero? Poderemos permitir que o ódio, o racismo,
o medo do outro cresçam cada vez mais? Numa altura em que a Terra se transforma
numa aldeia, estamos condenados a novas partilhas. Partilhas do trabalho, mas
também das riquezas. Precisamos, finalmente, de aprender a viver juntos com as
nossas diferenças e a lutarmos com todas as nossas forças, individual e
colectivamente, para que cada um possa viver dignamente. Não vou dizer como
Malroux que o século XXI será religioso, ou não será. Mas direi, com toda a
certeza, que o século XXI será fraterno, ou não será.”
Neste livro vemos abordados temas
como o problema do desemprego que tanto assola a sociedade actual, a falta de
segurança social em alguns países, o não pagamento de férias ou abonos de
família e os salários muito baixos e como devido à globalização todos os países
ocidentais se estão a ver afectados por estas economias.
A globalização e o liberalismo
selvagem estão a produzir efeitos como a exclusão, uma sociedade que se cinde
em duas, onde os pobres estão cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais
ricos. O drama do desemprego estrutural em massa e a perca da dignidade que o
acompanha bem como o novo drama da ociosidade e a dramática subida da violência
que a acompanha, os quais representam rupturas à escala mundial, apenas poderão
ser combatidas com o trabalho dos sindicatos (mas verdadeiro trabalho, não
aquele que se nos vai sendo apresentado, o qual aparece mais como uma oposição
politica do que como uma verdadeira defesa dos direitos dos trabalhadores, isto
foi apenas um aparte nosso, pelo que vamos vendo hoje em dia a ser feito pelos
actuais sindicatos), com a concretização do direito à greve (desde que
concretizado de uma forma consciente e consciencializado, o que nos últimos
tempos não temos visto acontecer, uma vez que na nossa opinião, muitas vezes
temos visto o direito à greve ser usado mais como um abuso do direito do que um
direito em si mesmo, pois por tudo e por qualquer coisa é uma greve, bom isto
foi mais um aparte nosso), ou seja, com a verdadeira reivindicação dos direitos
que todos os trabalhadores têm. E agora com a sociedade cada vez mais
globalizada, onde os meios de comunicação levam as notícias a todos os cantos
do mundo, deveremos todos trabalhar para que estas informações cheguem a todos
os países, e esses países de economias bem mais baixas e trabalho altamente
precário, comecem também eles a reivindicar os seus direitos, fazendo com que
uma aplicação generalizada dos direitos dos trabalhadores, com condições de
trabalho dignas, com direito a segurança social, pagamentos de subsídios de
férias, salários justos, possam desta forma uniformizar a economia mundial,
deixando de haver precariedade laboral e passando a existir justiça para o
trabalhador. Não podemos tolerar que quatro quintos da humanidade lute para
sobreviver, enquanto um quinto vive no conforto e na abundância, nem podemos
tolerar que crianças sejam exploradas como escravas, desde a mais tenra idade,
para nos fabricarem a baixo custo objectos tantas vezes fúteis. Aqui está o
trabalho dos sindicatos que se encontram previstos como um direito que assiste
aos trabalhadores, tão bem consagrado nos artigos 440.º e seguintes do nosso
Código do Trabalho, (mas o qual deve ser realizado com total rigor e máxima
dignidade e responsabilidade).
Na opinião do autor, hoje mais do
que nunca a fraternidade deve ser entendida para além da família, do clã ou da
nação. A fraternidade humana é universal. No momento em que, pela primeira vez
na história da humanidade, a Terra se torna uma aldeia, nós somos condenados,
destinados a novas partilhas. Precisamos de aprender a viver juntos,
fraternalmente, qualquer que seja a cor da nossa pele, qualquer que seja a
nossa religião, tal como vem consagrado no artigo 13.º da nossa Constituição
como o Princípio da Igualdade. E esta escolha envolve cada um de nós. Quando escreve
sobre a necessidade de partilhar com os países pobres, Abbé Pierre, tem bem
consciência de que a França, tal como a maioria dos países ricos, atravessa uma
terrível crise social devido à persistência de um desemprego estrutural de
longa duração, sendo que isto se passa num plano de globalização e não apenas
num contexto de simples reequilíbrio no plano nacional que permitiria resolver
o problema.
Segundo o autor, os políticos
enganam os cidadãos deixando fazer-lhes crer que o desemprego poderá diminuir
com o regresso do crescimento. O desemprego tal como se desenvolve actualmente,
é o fruto do processo irresistível de globalização, e as soluções, se existirem,
não poderão deixar de ser, também elas, planetárias. Pois não podemos esquecer
que o mundo ocidental conseguiu prosperar e aumentar as suas riquezas e tudo o
que faz o prazer da vida, pois foram os grandes beneficiários do período
colonial, matérias-primas baratas, importação para os nossos países de
mão-de-obra imigrada para construir ao menor custo estradas, escolas,
hospitais, etc. E hoje, vemo-nos flagelados pelo desemprego, pois
encontramo-nos submetidos à concorrência internacional e o custo da nossa
mão-de-obra é muito elevado. Sendo que vemos muitas das nossas fábricas, as
mais importante, a fechar e a deslocarem-se para reabrir outra na Coreia ou na
China, fabricando e, portanto, vendendo os seus produtos muito mais baratos,
fazendo com que por cá fiquem centenas se não milhares de desempregados. Mas o
autor acredita que isto apenas acontecerá a curto prazo, uma vez que apenas é
possível fabricar lá fora por muito baixo custo, pois nesses países, não existe
segurança social, férias pagas, abonos de família, praticamente nenhum encargo
e salários muito baixos. Mas isso não durará eternamente, pois em pouco tempo,
também lá se farão greves, se reclamarão férias pagas, se exigirá segurança
social, uma reforma, um nível de vida comparável ao dos países ocidentais. Pois
na perspectiva do autor, também nesses países pobres e discriminados, se irá compreender
a importância do direito colectivo, da existência e intervenção dos sindicatos
para que os trabalhadores se sintam organizados e com verdadeira intervenção na
elaboração das leis laborais, com força para que possam reivindicar os direitos
laborais com a compreensão da verdadeira importância que estes têm para a
sociedade em particular para os trabalhadores e consequentemente para as suas
famílias.
Tudo isto irá acontecer devido à
globalização da informação, o que também irá favorecer a longo prazo uma
espécie de homogeneização dos modos de vida, dos rendimentos, da protecção
social. Sendo que este processo já se terá iniciado. O direito à greve, o qual
se encontra previsto nos nossos artigos 530.º do Código do Trabalho e 57.º da
Constituição da República Portuguesa, já, há alguns anos que estão a aparecer
no Japão, onde até então o sistema patriarcal fazia com que um jovem empregado
numa fabrica japonesa tivesse a segurança do seu emprego até à idade da
reforma. Ele era, para sempre, membro desta fábrica como se é membro de uma
família e isto não é mais verdade e por isto os japoneses recorrem hoje á greve
para reclamarem mais justiça social. A greve que desempenhou um papel tão
importante para a dignidade operária do Ocidente, hoje começa a desempenhar
esse mesmo papel no Oriente, estando os especialistas convictos de que o mesmo
acontecerá noutros países da Ásia assim que tiverem atingido um certo nível de
desenvolvimento e que a sua juventude souber como vai o mundo. Significa isto
que os custos do trabalho aumentarão por todo o lado de maneira mais ou menos
homogénea pelo planeta ao mesmo tempo que o nível de vida, permitindo desta
forma eliminar esta concorrência perniciosa entre países com rendimentos desiguais
e legislações sociais díspares. Todavia é ainda necessário entender que este
aumento de riquezas não poderá ser infinito. Sendo as riquezas limitadas e a
população mundial não deixando de crescer, virá o dia em que será preciso não
só redistribuir as riquezas como também aceitar uma diminuição global do
trabalho e dos rendimentos que o acompanham e, em primeiro lugar, onde esses
rendimentos são mais elevados. É para esta verdadeira revolução planetária que
nós nos devemos preparar em vez de continuarmos a tapar tudo com um véu,
fazendo crer que o tempo em que todos terão emprego irá voltar e juntamente com
ele melhores salários. Pois tanto o trabalho como os rendimentos estão
destinados a diminuir.
Desta forma ver-nos-emos
constrangidos por duas realidades: - partilhar o trabalho, ou seja, trabalhar
menos e termos mais tempo para outras ocupações; - ganhar menos dinheiro e,
portanto, aprendermos a consumir menos. Jacques Ellul, um visionário, havia já
anunciado que a França seria um dia obrigada pelas pressões da partilha global
das riquezas do planeta a voltar ao seu nível de consumo dos anos 50. Ainda não
nos encontramos exactamente nesta situação, mas é necessário informar a opinião
pública sobre esta questão, o que nenhum político ousará arriscar-se fazer, tão
profundas são as necessárias reposições. Desta forma vemo-nos pela primeira vez
a ter que conceber que os filhos trabalharão menos e consequentemente ganharão
menos dinheiro do que os seus pais.
Necessário será também descobrir
ou redescobrir, que o dinheiro, o sucesso social, o trabalho lucrativo, não são
o essencial da vida, pois existem outros valores, outras maneiras de viver e de
utilizar o seu tempo e sendo igualmente útil e reconhecido socialmente. Será
preciso desenvolver as actividades humanizantes não lucrativas, que poderão
fornecer os objectivos e as razões de viver. Ora há uns anos atrás quem
verbalizasse estas ideias iria todavia passar por inimigo do mundo operário ao
evocar a eventualidade duma partilha da redução do tempo de trabalho, ora hoje,
são os próprios sindicatos que pedem para se encontrarem com o patronato e o
Estado para acharem, em concertação, as soluções menos desumanas para partilhar
o trabalho.
Acima de tudo, irá ser bem
preciso aceitar a ideia, ainda tabu, de que não só o trabalho como também os
rendimentos que terão de ser partilhados. Mas, de facto, nenhum governo tem a
coragem de dizer ás pessoas: “Se vocês estiverem fartos de ver à vossa volta
cada vez mais jovens sem emprego, de constatarem que numa mesma família, em
quatro filhos, dois, ou mais, estão desempregados, há que aceitar partilhar o
trabalho e isso não pode fazer-se sem diminuição dos rendimentos”.
É toda uma educação da opinião
pública que tem de ser feita, mas em vez disso, continuam a fazer-nos crer que
o crescimento vai voltar, como nos maravilhosos anos da abundância e do pleno
emprego, ou ainda pior, fazerem-nos crer que pode partilhar-se o trabalho e a
actividade sem ter que se partilhar as riquezas e os rendimentos. Todavia nas
sociedades mais conservadoras e corporativistas será mais difícil fazer aceitar
estas realidades, pois recusam perder os pequenos privilégios de uns e de
outros, mesmo que eles estejam em total contradição com a evolução do mundo e
das necessidades do bem comum, pois cada um luta egoisticamente para conservar
as suas aquisições e os seus privilégios sem grande preocupação com o bem
geral, enquanto se lamenta do drama do desemprego, da exclusão, da insegurança
suburbana, etc.
Há, pois, muito a ser feito para
favorecer esta tomada de consciência, e se essas responsabilidades não forem
assumidas por uma questão de virtude moral, pelo menos que seja por prudência,
pois se nós não aceitarmos uma justa repartição do tempo livre humanizante e do
trabalho produtivo, tudo isto irá terminar em violência. Pois se os excluídos
da sociedade, aqueles que já há muitos anos compreenderam que estão a mais, os
que não têm condições para viver dignamente, os que são vitimas do desemprego,
os que vivem na precariedade, se nós não nos adiantarmos a eles, se não
tomarmos a iniciativa de novas partilhas do trabalho e dos rendimentos, serão
aqueles que estão exaustos, que perderam toda a esperança, que virão tomar,
pela violência, o que nós não quisemos partilhar. E isto é tão verdade num
plano nacional como mundial, pois decididamente nós estamos a ver-nos
constrangidos a novas partilhas.
E embora tenha ficado claro que
não estamos de acordo com algumas posições que o autor adopta, por outro lado
parece-nos muito claro que o autor teve uma total visão futurista, a qual se
aplica bem ao nosso presente no que toca à precariedade e efeitos da
globalização da economia mundial e ainda tendemos em concordar que talvez a
solução possa passar pela aplicação de algumas medidas enunciadas pelo autor,
como por exemplo, os países ditos desenvolvidos não podem continuar a fechar os
olhos à tão grave violação dos direitos fundamentais do Homem e das Crianças
que se vai vendo acontecer constantemente em diversos países por esse mundo a
fora e isso sim, essa precariedade tem que ser combatida com toda a força e
talvez assim consigamos obter economias mais equilibradas.
R.A.O.